Luanda - “Angola encontra-se num momento crucial da sua história política. A alternância no poder deixou de ser meramente uma aspiração eleitoral para se converter numa exigência moral, social e histórica, sentida de forma generalizada por toda a sociedade angolana.”
Fonte: Club-k.net
Finlândia 🇫🇮 —• Excelentíssimo Senhor Adalberto Costa Júnior, saúdo-o. Dirijo-me a Vossa Excelência na qualidade de Presidente da UNITA, o maior partido da oposição em Angola, e como uma figura sobre a qual recai hoje uma responsabilidade que transcende a esfera partidária. A sua recente recondução à liderança confere estabilidade interna a um ator central da vida política nacional e, por conseguinte, aumenta o peso das expectativas que o país deposita na sua ação. Escrevo como um cidadão atento e formador de opinião, ciente de que, neste período histórico, o silêncio já não é uma postura neutra. Dediquei tempo a analisar, com profundidade e sentido crítico, o discurso de vitória e encerramento do Congresso da UNITA, bem como as suas declarações públicas, incluindo a entrevista concedida ao podcast Na Terra dos Cacos, do jornal O Público. Desta análise, emerge uma convicção clara: Angola atingiu um ponto em que não basta desejar a alternância do poder; é imperativo criar, com urgência, as condições políticas efetivas para que esta se concretize antes, durante e depois das eleições de 2027. Como advertia Hannah Arendt, "a política nasce no espaço entre os homens"; quando esse espaço é capturado por um único grupo, a democracia reduz-se a uma mera formalidade.
Ao afirmar que "o momento que vivemos impõe mais unidade na ação, mais clareza nos propósitos e uma visão ampla, corajosa e transformadora", o Senhor Presidente espelha uma ansiedade profundamente sentida pela população. Do mesmo modo, ao declarar que "só unidos, conscientes do nosso dever histórico e firmes na defesa dos valores democráticos, poderemos construir um país mais justo, inclusivo e verdadeiramente livre", aponta para uma verdade estrutural da nossa época. É hoje largamente reconhecido que o MPLA, após governar Angola desde 1975, não conseguiu assegurar à maioria da população o mínimo para uma vida digna, revelando uma incapacidade estrutural manifesta. Contudo, como demonstrava Michel Foucault, o poder não reside apenas na legitimidade formal, mas na capilaridade com que se infiltra nas instituições, nos discursos e nos mecanismos de controlo, o que ajuda a compreender por que um regime socialmente desgastado continua a manter-se no poder.
Em Angola, o partido no poder confunde-se com o próprio Estado. Quando não prevalece politicamente, governa através do controlo das instituições públicas, dos recursos financeiros, dos órgãos de soberania, da comunicação social estatal e dos aparelhos de coerção. Este é o principal obstáculo à alternância e está hoje claramente identificado pelo povo. O MPLA já não é visto apenas como incapaz de governar melhor; é percebido como um bloqueio histórico à renovação do país. No entanto, a questão central alterou-se: a sociedade quer agora testemunhar a capacidade de união dos partidos da oposição e, sobretudo, daqueles que afirmam desejar governar de forma diferente. Como advertia Jean-Jacques Rousseau, quando o interesse particular se sobrepõe ao interesse geral, o corpo político entra em decadência. A fragmentação da oposição, neste contexto, deixa de ser apenas um erro tático e passa a ser uma violação direta da expectativa popular.
É por essa razão que o pacto nacional deixou de ser uma opção política e passou a ser uma necessidade histórica inelutável. Um pacto que deve colocar o país acima das cores partidárias, das siglas e das ambições individuais. Um pacto que permita ao povo alinhar-se com confiança e convicção, sabendo que existe um projeto comum de mudança. A ansiedade dos cidadãos angolanos é clara: querem ver os partidos coesos, querem maturidade política, querem responsabilidade histórica. Como explicava Émile Durkheim, uma sociedade entra em anomia quando as regras comuns deixam de ser partilhadas; hoje, o pacto nacional é a regra mínima que a sociedade espera ver respeitada. Aqueles que não se alinharem neste projeto serão politicamente julgados pelo povo, porque este é, objetivamente, o único caminho capaz de alterar a conjuntura histórica de Angola sem mergulhar o país na instabilidade.
Nunca a UNITA esteve tão próxima de disputar o poder como hoje, alicerçada em factos concretos como o crescimento do voto em 2022, a expansão nacional e urbana, as alianças com movimentos cívicos e figuras independentes e o reforço da sua imagem internacional. Ainda assim, como alertava Pierre Bourdieu, o poder político não se transforma apenas pela disputa formal, mas pela capacidade de criar um campo comum de ação. Nenhum partido da oposição, isoladamente, conseguirá enfrentar um regime que controla o Estado. A experiência de 2022 demonstrou que, mesmo sem um pacto formal, o povo esteve mais unido do que os próprios políticos, facilitando a reivindicação de forma conjunta e a resistência à fragmentação deliberada promovida pelo poder. É, pois, neste enquadramento que lhe dirijo este apelo: enquanto líder do maior partido da oposição, recai sobre si uma responsabilidade acrescida de congregar, dialogar e construir pontes, começando agora, antes de 2027, mantendo-as durante 2027 e preservando-as depois de 2027. Deixo estas reflexões como um cidadão interveniente e atento, comprometido com Angola e solidário com todos aqueles que trabalham para mudar o destino coletivo do país. Angola merece mais e o povo já não aceita menos.
"Votos de um Feliz Ano Novo a todos os angolanos e a todos os que estimam Angola, quer se encontrem em território nacional, quer no estrangeiro."
Henda Ya XiyetuCriador de Opinião | Opinion Maker | Créateur d’Opinion .