Luanda - A imagem do Presidente que entrou nas nossas casas na noite de quarta-feira, 24 de Dezembro, a desejar “Feliz Natal e um Novo Ano pleno de realizações e de satisfação dos sonhos e metas ainda não alcançados”, não foi do Pai Natal, mas de um Chefe parecido com aquele que não conhece, efectivamente, a realidade que as famílias angolanas vivenciam, que é sofrível. Foi de um Chefe que não devia ter como barómetro, o conforto que com a sua família beneficia entre os muros da parte alta da cidade, por direito do exercício de funções, mas aquela que é a realidade nos bairros onde os governados vivem. Porque a vida do Chefe, não tem comparação possível com a de todos nós, que é resultado dos nossos (muitos) sacrifícios, do que cada vez menos arrecadamos, e que decresce a cada dia, cada mês e neste ano bateu no fundo.
Fonte: Club-k.net
Quase com toda a certeza, podemos afirmar que, este é o Natal mais pobre vivido pela grande maioria das famílias angolanas nestes 50 anos de independência. Provavelmente, porque se gastou demasiado na festa e para curar a ressaca. Aliás, por obra e graça da gestão do Presidente João Lourenço, a cada ano, nos oito dos 10 do seu consulado, faz menos sentido assinalar essa data. E isso é prenúncio de que será mais difícil, até ao fim do seu mandato, a “satisfação dos sonhos e metas ainda não alcançadas”. Com tanta pobreza e fome, com menos emprego, com mais falência de empresas, com menos poder de compra, com menos saúde, com mais empréstimos e mais serviço e sufoco do serviço da dívida, teremos sempre menos perspectiva, os sonhos tornar-se-ão pesadelos para os chefes de família e para a juventude. Logo, a celebração do Natal torna-se mero simbolismo de uma tradição católica secular que nos foi imposta, e que muito dificilmente resiste às adversidades impostas pelo regime pagão.
Mas, o semblante do próprio Presidente, é de quem está visivelmente mais cansado e mais envelhecido, e permite-nos concluir que ter poder, segurança, conforto, acesso a recursos à fartura e até a possibilidade de voar quando quiser para fazer consultas e tratamento nas melhores clínicas privadas do mundo, também não é sinónimo de bem-estar, de felicidade e de gozo de boa saúde. O poder desgasta e a prova está no Presidente João Lourenço. O que vimos, assemelha-se a José Eduardo dos Santos na recta final: cansado, fragilizado, sem ideias inovadoras, discurso gasto com a diferença de que o outro, por altura natalícia, não criava instabilidade nas famílias e pagava os salários com alguma antecipação, mesmo nos momentos mais difíceis.
Analisando todas essas constatações, concluímos que, provavelmente, felizes não são eles, os donos-disto-tudo que até não pagam nada para seu conforto. Felizes mesmo, somos nós, que apesar das imensas dificuldades, conseguimos juntar panelas, reunir familiares e amigos à volta de uma mesa para confraternizar com pouco, mas sem limitações na liberdade de movimentos, sem nos importarmos com a chegada de mais um ou de outro conviva acompanhado da sua família. Nunca são muitos, não são tidos como intrusos, nem os escolhemos a dedo. As nossas mesas estão sempre abertas, são aconchegantes, há sempre lugares disponíveis e conversamos sobre tudo. Não é certamente esse o ambiente que se vive lá em cima, mesmo com tudo de bom e do melhor pago pelo patrão empobrecido, sob o brilho de luzes faraónicas, loiça de cristal, talher e serviços de prata ou de ouro, serviçais esmerados, manjares que vão do peru ao caviar e néctares que invejariam Dionísio, símbolo das ‘grandes pomadas’ na mitologia romana, regados com os melhores conhaques e cafés para arrotar.
No fundo, na sua mensagem, o Presidente reafirmou que tudo continuará igual e que em 2026 não teremos vida melhor. Fez leituras do que considera sucesso da governação, tendo como base argumentos de quem nos visitou, como disse, (“representantes de todo o mundo estiveram entre nós em diferentes momentos e enalteceram o que temos feito, encorajando-nos a prosseguir com as nossas realizações”), quando bastaria ir à página do Facebook da própria Presidência da República, para verificar o que vai na alma dos governados e que contraia essa visão estrangeira. Quem vem de fora, é acomodado nos melhores hotéis, desloca-se em veículos de luxo com vidros fumados e também à borla, é brindado com o que temos de melhor em matéria de luxo. Ao contrário de quem vive e é de cá, não veem o lixo, não veem as dificuldades de acesso à água, aos meios de transporte, não sabem o que é não ter medicamentos nos hospitais. Provavelmente, veem o Presidente da República viajar num avião de 300 milhões de dólares e andar no último modelo da Mercedes e têm Angola como o postal da marginal de Luanda vista à noite. Mas essa é somente, uma parte do cenário onde roda o filme da nossa dura realidade, consequência das más políticas de quem dirige o Estado.
Segundo afirmou o Presidente da República, fazendo referência aos últimos dados do Censo, “já somos mais de 36 milhões de angolanos e com tendência a aumentar”. Ora se quem nos governa domina essa informação, mas com tudo o que arrecada e recebe de empréstimos que contrai não consegue satisfazer as necessidades básicas de metade dessa população (18 milhões de angolanos), como se pode sentir encorajado a prosseguir com as suas realizações e o seu modelo de governação, se não tem conseguido promover o equilíbrio no desenvolvimento harmonioso do país?
A conclusão a que chego, e pode-se ler no semblante do próprio Presidente da República, é que nem ele próprio acredita na receita da banha de cobra que nos vende. É só vermos que a cada ano, a tendência tem sido o agravamento da nossa condição de vida e não a melhoria. E esperem pela mensagem de Natal e de Ano Novo de 2026, que será provavelmente a sua última, para vermos se será diferente. É que não tem como.
R Aleixo