Luanda - O ano 2025 está na sua fase final e 18 meses nos separam do próximo pleito eleitoral. À medida que nos aproximamos das Eleições Gerais de 2027, a política económica deixa de ser apenas um exercício técnico de gestão macroeconómica e passa a ocupar o centro do debate político e social. Em contextos de pressão económica, a economia transforma-se num dos principais factores de decisão eleitoral. Neste sentido, os números no Instituto Nacional de Estatística (INE) são politicamente preocupantes. Ignorar essa realidade é um risco estratégico para qualquer governo.
Fonte: Club-k.net
O cidadão comum não avalia políticas económicas com base nos relatórios do FMI ou indicadores de crescimento abstratos. Avalia-as pela capacidade de comprar alimentos, pagar transporte, ter acesso regular à energia, água, saúde e educação. Quando esses elementos falham ou se tornam excessivamente caros, instala-se um sentimento de frustração que rapidamente se converte em desconfiança política.
Nos últimos anos, foram realizadas reformas económicas relevantes, muitas delas necessárias para estabilizar as contas públicas, controlar a dívida e restaurar alguma credibilidade internacional. No entanto, essas reformas tiveram custos sociais significativos. A inflação persistente (apesar da previsão de diminuição para 2026), a redução do poder de compra, o desemprego juvenil e a pressão sobre os serviços básicos criaram um ambiente de desconforto social que não pode ser ignorado num ciclo pré-eleitoral.
O Orçamento Geral do Estado (OGE) 2026 aprovado na pretérita segunda-feira (15 de Dezembro) reafirma quatro prioridades: (i) o investimento social, (ii) a valorização do rendimento das famílias, (iii) o estímulo ao sector privado e, (iv) o reforço das finanças públicas. São prioridades correctas, coerentes com a Estratégia Fiscal 2026–2031 e alinhadas com o Plano de Desenvolvimento Nacional 2023–2027.
Há méritos que devem ser reconhecidos no OGE 2026. A previsão de crescimento do PIB para 2026 — 4,17%, com um sector não petrolífero a crescer 4,73% — demonstra que o país está, finalmente, a construir uma base económica menos dependente do petróleo, mesmo num contexto de produção petrolífera ligeiramente decrescente. O esforço para reduzir o rácio da dívida pública para 45,3% do PIB é um sinal de disciplina fiscal, e a inflação projectada de 13,7% reforça a credibilidade de uma política económica que busca previsibilidade.
A grande questão que se coloca hoje não é se Angola deve manter disciplina económica, mas como fazê-lo com sensibilidade social e inteligência política. A proximidade de 2027 exige uma mudança de enfoque: menos economia de choque e mais economia de amortecimento social. Menos decisões abruptas e mais gradualismo. Menos discurso técnico e mais empatia pública.
A percepção de justiça tornou-se central. Quando os sacrifícios parecem recair sempre sobre os mesmos — trabalhadores, pequenas empresas, jovens desempregados — enquanto outros sectores aparentam estar protegidos, o custo político cresce exponencialmente. Ao avizinhar-se o período eleitoral, a desigualdade deixa de ser apenas um problema económico e transforma-se num problema de legitimidade do poder.
Além disso, o tempo político da economia é determinante. Reformas profundas produzem resultados no médio e longo prazo, mas os seus custos são imediatos. Se, até 2027, a maioria da população apenas sentir perdas e não ganhos, a punição eleitoral torna-se previsível. E, os resultados eleitorais de 2022 não oferecem conforto político, considerando a regressão da confiança política de 2012 e 2017. Por isso, é essencial priorizar políticas com impacto directo no quotidiano: controlo dos preços de bens essenciais, maior apoio à produção nacional, protecção do emprego, melhoria do transporte público e maior previsibilidade nas políticas macroeconómicas.
A comunicação económica também precisa mudar. A linguagem excessivamente técnica cria distância entre governantes e governados. Em tempos de dificuldade, a população exige clareza, honestidade e sinais concretos de que o Estado compreende o sofrimento social. Explicar decisões não é fraqueza, é um acto de responsabilidade democrática.
Recalibrar o rumo da política económica não significa ceder ao populismo nem abandonar reformas estruturais. Significa alinhar a racionalidade económica com a racionalidade política e social, especialmente para a nossa realidade com uma franja juvenil bastante expressiva, gritante desigualdade social e elevadas expectativas em relação ao futuro.
Em Angola, a estabilidade política sempre esteve historicamente ligada à capacidade do Estado de garantir mínimos sociais e perspectivas de mobilidade económica e social. A visão de famílias inteiras comendo em contentores de lixo não encontra paralelo na história de Angola. Nem nos momentos mais difíceis da guerra civil tal quadro foi experimentado. Quando essa ligação se fragiliza, abrem-se espaços para contestação, abstenção eleitoral e discursos radicais. O momento exige sensibilidade eleitoral.
A chamada sensibilidade eleitoral da economia é a capacidade do poder político de compreender como decisões económicas afectam a percepção pública, a confiança social e, em última instância, o voto. Em conjunturas de crise, essa sensibilidade torna-se ainda mais crucial, porque o eleitorado tende a avaliar o governo menos pelas promessas, ou pelos indicadores e mais pelos impactos concretos na sua vida.
A história recente demonstra que políticas economicamente “correctas” do ponto de vista técnico podem ser politicamente desastrosas quando implementadas sem cuidado social. Alargar o Kwenda, por exemplo, pode aliviar a pressão de muitas famílias. Medidas de austeridade, cortes abruptos de subsídios, aumentos de impostos indirectos ou reformas estruturais sem mecanismos de protecção tendem a gerar rejeição popular, protestos e erosão da legitimidade política. O eleitor não vota em modelos macroeconómicos, nem em fórmulas impostas pelo FMI, vota naquilo que sente no bolso.
A sensibilidade eleitoral não significa populismo irresponsável nem abandono da disciplina económica. Significa, sim, calibrar o ritmo, a comunicação e a distribuição dos custos das reformas. Noutras latitudes, alguns Governos sobreviveram a crises porque explicaram, protegeram os mais vulneráveis e demonstraram empatia social. Silêncio, linguagem excessivamente técnica ou mensagens contraditórias aprofundam a percepção de distância entre governantes e governados. Em tempos de crise, a população exige clareza, honestidade e sinais concretos de que o poder político compreende a dimensão do sofrimento social. A confiança política é um activo económico invisível, mas decisivo.
Outro elemento central é o tempo. Em economia eleitoral, o “quando” é quase tão importante quanto o “o quê”. Reformas profundas realizadas sem amortecedores sociais ou em ciclos eleitorais críticos tendem a produzir reações negativas desproporcionais. A ausência de resultados visíveis no curto prazo, combinada com custos imediatos, alimenta o sentimento de punição eleitoral.
Em última instância, a lição é simples: a economia também vota. E vota através do cidadão. Ajustar o rumo agora, com sensibilidade social, pode não apenas preservar a estabilidade até 2027, mas também renovar a confiança da população num projecto de desenvolvimento inclusivo. Ignorar esse sinal pode custar caro — politicamente e institucionalmente — porque em última instância, a economia não decide sozinha. Quem decide é o eleitor.