Luanda - Cara Podre foi um destemido combatente das extintas FAPLA, o exército da então República Popular de Angola. O seu nome impunha respeito entre os guerrilheiros de Jonas Savimbi, sobretudo entre os da Região Militar 71. Nos anos de 1980, foi comandante de um dos batalhões da 98.ª Brigada, estacionada no Cubal. O seu batalhão fazia incursões constantes nas bases espalhadas pelas matas do Cubal, Ganda, Quinjenje e Chicuma.
Fonte: Club-k.net
O primeiro a falar-me dele foi José Silola, na altura da Alvorada (as crianças da UNITA). Segundo contou, em 1981, as investidas incansáveis de Cara Podre obrigaram a que muitos jovens abandonassem a RM-71. É que Cara Podre era terrível, parecia uma carraça, sempre atrás deles. Não os deixava descansados. Já não se conseguia estudar. Passava-se a vida a mudar de base. O Capitão Sinyelela, que depois veio a falecer no ataque ao Kangamba, decidiu evacuar todos os menores de idade para a RM-66. Foi assim que Silola e companheiros foram parar na Jamba, concretamente no Centro Integral da Juventude (internato), para poderem continuar os estudos.
Outro que me contou pormenores sobre Cara Podre foi Benoni Tito Cacumba Jeremias Adolfo Domingos, antigo oficial da FAPA-DAA, hoje reformado das FAA e, por sinal, meu tio. Fez a formação militar na antiga URSS, em Krasnovosk, no ano de 1987. Conheceu Cara Podre no município do Cubal. Contou-me um episódio de 1982, eis o sucedido:
Um soldado, em plena vila, abriu fogo indiscriminadamente junto ao armazém de víveres das FAPLA, em frente à estação do Caminho-de-Ferro de Benguela. Descontrolado, disparava sem cessar. Parecia uma batalha. Ninguém ousava enfrentá-lo. De repente, surgiu Cara Podre. Ninguém percebeu de onde saiu. Avançou em direcção ao atirador e, com uma bassula, desarmou-o e imobilizou-o. A população, que assistia da janela de suas casas, saiu à rua em aplausos, gritando em coro o seu nome. Alguns perguntavam como foi possível enfrentar aqueles tiros sem sofrer um único arranhão. Um ancião disse em umbundu: eye okwete umbanda wo kuloya (ele tem feitiço para disparar).
Naquele tempo, tanto nas FAPLA como nas FALA havia combatentes considerados “blindados” pelos kimbandeiros. Até, na Jamba, o músico e compositor Poeira cantava: ame si kwete umbanda wo kulova, umbanda wange wo kuloya (não tenho feitiço para enfeitiçar, o meu feitiço é para combater).
Em conversa com um antigo combatente das extintas FAPLA, que integrou o Batalhão de Cara Podre nos anos 80 e com ele cumpriu a difícil missão de tentar resgatar os checoslovacos recolhidos pelas FALA, aquando do ataque à vila do Alto-Catumbela, ocorrido a 12 de Março de 1983, ouvi o testemunho sobre a valentia de Cara Podre. Foi esse combatente quem me revelou os contornos da sua morte, em 2001. Na ocasião, saía do Wako-Kungo em direcção à Quibala, concretamente nas imediações do rio Nyiha. Não entrou em detalhes; limitou-se a dizer que aquela era uma zona fértil para emboscadas.
Assim se encerrava a trajectória militar de um dos mais nobres filhos do Porto Amboim e de Angola: Joaquim José Lunga, o lendário “Cara Podre”.
Não seria pedir demasiado que uma rua do Cubal, da Ganda ou até de Benguela ganhasse o nome de Comandante Cara Podre.
Por favor, entendam-me: Voltarei... porque há nomes que não podem morrer!
Luanda, 9 de Setembro de 2025 Gerson Prata