Luanda — O que começou como um protesto pacífico contra o recente aumento de 47% nos preços dos combustíveis decretado pelo governo angolano, transformou-se numa onda de agitação social marcada por saques, vandalismo e repressão policial em várias partes do país. A decisão de eliminar os subsídios ao gasóleo — elevando o preço de 200 para 300 kwanzas por litro (de €0,19 para €0,28) — provocou uma forte indignação entre taxistas, organizações da sociedade civil e uma população já sobrecarregada por uma prolongada crise económica.
Fonte: Club-k.net
A onda de protestos foi desencadeada por uma greve de três dias organizada pela Associação Nova Aliança dos Taxistas (ANATA), em Luanda. Os manifestantes não apenas rejeitaram o aumento como injustificado, mas também exigiram a regulamentação das paragens de táxis e a criação de uma carteira profissional para taxistas, promessa antiga das autoridades que nunca saiu do papel.
O que começou como uma reivindicação setorial rapidamente evoluiu para manifestações espontâneas por toda Luanda e outras regiões, com moradores de bairros como Viana, Cazenga, Benfica e Kilamba saindo às ruas para denunciar o aumento do custo de vida, a má governação e a ausência de proteção social.
Saques, Violência e Repressão
Testemunhas relataram saques em mercados informais, ataques a pequenos comércios, queima de pneus e confrontos com forças policiais. Agentes de segurança destacados nas zonas de protesto recorreram a gás lacrimogéneo e balas de borracha, e várias pessoas foram detidas, incluindo ativistas cívicos conhecidos.
“Não estamos apenas a protestar contra o aumento dos combustíveis — estamos a protestar contra a fome, o desemprego e o abandono,” afirmou uma manifestante no distrito do Cazenga.
Organizações de Direitos Humanos Soam o Alarme
Em uma declaração contundente, uma coligação de organizações angolanas de direitos humanos, incluindo a Friends of Angola (FoA), Associação OMUNGA, Associação Upangue, FORDU e ALDA, condenou as medidas econômicas do governo e alertou para o seu impacto desproporcional sobre os cidadãos mais vulneráveis.
“A remoção dos subsídios aos combustíveis, sem salvaguardas para os mais pobres, representa uma grave violação dos direitos econômicos e sociais de milhões de angolanos,” afirmou o comunicado. “Essas medidas estão a empurrar os cidadãos para uma pobreza ainda mais profunda, enquanto as instituições estatais falham em oferecer proteção efetiva ou diálogo significativo.”
Segundo a coligação, o aumento dos preços agrava as desigualdades e afeta de forma desproporcional os trabalhadores informais e famílias de baixa renda, que dependem de transporte público e semipúblico. A criminalização dos protestos públicos, advertiram, só aprofundará ainda mais a crise.
O Quadro Econômico Mais Amplo
O economista e jornalista Carlos Rosado de Carvalho, em entrevista à CNN Portugal, destacou que o aumento do combustível é apenas o mais recente de uma série de encargos impostos à população:
“Aumentaram as propinas — e em Angola não há ensino público gratuito. Subiram os custos dos transportes, da eletricidade e da água. Esta greve apenas reforça uma vaga de resistência civil que já vem se acumulando há meses.”
Ele lembrou que manifestações têm ocorrido nos dois últimos sábados, organizadas por grupos cívicos independentes da oposição política.
“É provável que esses protestos continuem,” observou.
Muitos angolanos usaram as redes sociais para denunciar o paradoxo de ver os preços dos combustíveis a subir num país que é o terceiro maior produtor de petróleo de África, e um dos 20 maiores produtores do mundo. Apesar disso, os serviços públicos continuam subdesenvolvidos e as receitas estatais são frequentemente vistas como mal geridas ou desviadas pela corrupção.
Resposta do Governo
O governo angolano defendeu a reforma como necessária para garantir disciplina fiscal e modernização econômica, parte de uma estratégia de longo prazo para reduzir a dependência de receitas petrolíferas e subsídios. O Ministério do Interior, no entanto, emitiu alertas contra “atos de vandalismo e sabotagem”, prometendo restaurar a ordem.
Ao mesmo tempo, críticos afirmam que as reformas foram implementadas com falta de transparência e sem mecanismos de proteção social — sem alternativas de transporte público, sem programas de compensação para os pobres e sem espaço para participação democrática nas decisões.O Que Vem a Seguir
Com movimentos da sociedade civil convocando novos protestos nos próximos dias, Angola enfrenta um momento decisivo. A escolha será entre a continuação da repressão e exclusão, ou o caminho do diálogo e da responsabilidade.
“Isto não é apenas sobre combustível. É sobre injustiça social e um contrato social rompido,” disse um porta-voz da Southern Africa Human Rights Defenders Network.
Por enquanto, Luanda permanece sob forte vigilância, mas as vozes que exigem mudança tornam-se cada vez mais audíveis. A resposta do governo — seja conciliadora ou repressiva — poderá determinar se esta crise marcará um ponto de viragem ou uma descida ainda mais profunda rumo à instabilidade.