Luanda - Maria (nome fictício) tinha 17 anos e estudava a 9ª classe. Vivia em um dos bairros de Luanda e sonhava em ser professora, mas sua vida mudou bruscamente quando, grávida de dois meses, descobriu em uma consulta pré-natal que era portadora do HIV.
Fonte: Club-k.net
A forma como recebeu a notícia foi cruel. A enfermeira, sem qualquer empatia, disparou:
“Tens sida. Se não te cuidares, vais morrer tu e esse teu bebé.”
“Assim mesmo vai no hospital da cidade para te darem medicamentos. Ao chegar lá, fala: ‘Tenho SIDA’ e mostra este papel.”
Sem explicações, sem acolhimento humano ou encaminhamento psicológico, Maria foi deixada à própria sorte.
Ao contar ao pai da criança um militar casado e com duas esposas ela foi brutalmente insultada:
“Sua p#ta! Filha da p#ta! Espero que não me contaminaste! Aliás, procura o pai desse bebé porque não sou EUUU..
Ela, aos prantos, insistia que ele fora seu primeiro namorado.
Rejeitada pela mãe, ignorada pelos irmãos e abandonada pelo pai do bebê, Maria afundou-se em solidão. Vizinhos cochichavam, os colegas da escola se afastaram e passaram a evitá-la. Em poucos dias, parou de frequentar a escola, trancou-se em casa e mergulhou no desespero.
Sem acompanhamento clínico, emocional ou social, Maria cometeu suicídio. Levou consigo o filho que carregava, uma vida que sequer teve a chance de começar.
Essa tragédia não é única. É o reflexo de uma sociedade com pouca educação sobre saúde, marcada pelo preconceito, pela desinformação e pela falta de empatia com os mais vulneráveis. O caso chocou a comunidade local, mas não provocou mudanças estruturais. Histórias como a de Maria repetem-se em silêncio, todos os anos, nos bairros periféricos de Luanda.
A história de Maria ilustra com força o impacto do HIV entre adolescentes e jovens. A partir dela, propomos uma análise mais ampla do problema. Abaixo, apresentamos um panorama das doenças sexualmente transmissíveis em Angola/HIV SIDA.
2. Panorama das DSTs- HIV/SIDA em Angola
Para além da história individual, o HIV/SIDA é um grave problema de saúde pública em Angola.
As doenças sexualmente transmissíveis, especialmente o HIV/SIDA, continuam a afetar jovens e mulheres em idade reprodutiva. A epidemia é impulsionada por pobreza, desigualdade de gênero, baixa escolaridade, o GAME, promiscuidade de fácil acesso e tabus culturais. A falta de educação sexual e o estigma mantêm um ciclo de silêncio e sofrimento.
3. Estatísticas Relevantes do HIV/SIDA
Aqui trazemos os dados que comprovam a gravidade do problema.
• Cerca de 340 mil pessoas vivem com HIV em Angola.
• Prevalência entre adultos de 15 a 49 anos: ~2%.
• Transmissão vertical (mãe para filho): 13–15%.
• Apenas 49% dos adultos e 22% das crianças diagnosticadas recebem tratamento adequado.
• A taxa de abandono ao tratamento gira em torno de 50%. Dados da OMS
4. Contaminação na Juventude: Causas e Risco
É fundamental compreender os fatores que aumentam o risco de contaminação entre adolescentes e Jovens.A transmissão ocorre majoritariamente por via sexual. Entre os principais fatores estão: múltiplos parceiros, relações desprotegidas, violência sexual e início precoce da vida sexual.
5. O Papel da Família e da Educação
Família e escola são pilares na prevenção, mas frequentemente falham.
Quando a família não educa sobre sexualidade, valores e autocuidado, os jovens recorrem à internet e às redes sociais, que muitas vezes promovem erotização e permissividade. A escola, por sua vez, muitas vezes ignora o tema por tabus ou falta de preparação.
6. Situações Cotidianas que Refletem o Problema
A crise é visível em ações comuns, mas profundamente simbólicas.
• Jovens evitam exames por medo da reação familiar.
• Diagnóstico de HIV leva muitos adolescentes e Jovens a abandonar a escola.
• Falta de apoio psicológico compromete o equilíbrio emocional.
• O estigma marginaliza e destrói o futuro de muitos jovens.
7. Propostas Concretas de Solução
Precisamos de ações firmes, coordenadas e sustentáveis.
• Inserção obrigatória da educação sexual nas escolas/ Saudades da EMC- Educação Moral e Cívica.
• Grupos de apoio para jovens vivendo com HIV.
• Fortalecimento da rede de distribuição de antirretrovirais.
• Apoio psicológico gratuito e contínuo.
• Campanhas para combater a hipersexualização infantil.
8. Kuduro, GAME e Erotização Precoce: Cultura e Destruição
Não se pode falar de vulnerabilidade juvenil, hipersexualização infantil sem mencionar a cultura que a alimenta.
Em Angola, muitos jovens são expostos desde cedo a conteúdos sexualizados e descontextualizados. Músicas como certos kuduros promovem mensagens agressivas e erotizadas que crianças repetem sem consciência. Concursos de dança infantil e a glamorização da figura feminina do GAME (prostituição como estilo de vida) promovem um ideal distorcido, onde meninas aspiram ao corpo e ao comportamento hipersexualizado como forma de sucesso.
Essa cultura não apenas destrói a infância, como também prepara meninas e meninos para uma adolescência marcada por violência, exploração e doenças. A mente fragilizada dessas crianças se torna, no futuro, um terreno fértil para o abandono escolar, gravidez precoce, contaminação por HIV e marginalização social.
9. Conclusão
O HIV/SIDA entre adolescentes e jovens em Angola não é apenas uma questão médica — é um reflexo da nossa cultura, da nossa educação e das nossas omissões como sociedade.
A responsabilidade é de todos: pais, professores, médicos, artistas, governantes e cidadãos.
Não podemos salvar o futuro se não começarmos a proteger o presente.
Por MSC: Victor Sanguyela, Mestre em Saúde Pública, Especialista em Epidemiologia e Análises em Sistemas de Proteção de Saúde